Artículo de opinión escrito por Romeu Monteiro, participante del viaje a Israel con CAMERA: 12 anos depois da sua criação, é tempo de exigirmos o fim do jornalismo al-Durah
Tal como tantas outros espectadores ocidentais, lembro-me bem dessa emissão de TV. Tiros. Agachados junto a um barril de cimento, um rapaz de 12 anos e o seu pai. O tiroteio continua. O pai gesticula, diz algo, tenta proteger o filho. Mais tiros. Até que se vê o pai ferido, o filho morto. As imagens chocantes da cadeia televisiva France 2 correm o mundo. Assisto a elas em Portugal, como um rapaz apenas um ano mais novo do que o das imagens, horrorizado. Quem não ficaria? Estamos a 30 de Setembro de 2000 e as imagens da morte de Muhammad al-Durah na Faixa de Gaza seriam o rastilho para despoletar a 2ª Intifada, radicalizando jovens muçulmanos palestinianos e estrangeiros como só a morte de inocentes consegue. O lançamento da guerra cognitiva contra Israel estava completo. No espaço de horas, al-Durah deixaria de ser uma criança para passar a ser um símbolo de guerra, um arma visível em cartazes, paredes e selos palestinianos. Durante 4 anos suceder-se-iam dezenas de massacres de civis israelitas – judeus e árabes – em autocarros, pizzarias, filas para discotecas, jantares religiosos, desfiles de crianças mascaradas, centros comerciais, restaurantes, cafés. Estava aberta a época da caça aos judeus, não apenas em Israel, mas pelo mundo inteiro. O número de ataques racistas contra judeus disparava na Europa. Em 2002, o jornalista judeu americano Daniel Pearl era decapitado no Paquistão perante os telespectadores do mundo inteiro, em frente a uma imagem de al-Durah. 10 anos depois, em 2012, crianças judias eram caçadas a tiro numa escola em Toulouse (França) pelo francês Mohammed Merah, que afirmava fazê-lo para vingar a morte de crianças palestinianas. As imagens editadas e descontextualizadas de al-Durah provenientes da France 2 limitavam-se a reforçar os preconceitos da narrativa dominante onde eram retransmitidas. Diziam ao mundo ocidental que aquele era o destino das crianças palestinianas oprimidas diariamente pela brutalidade da ocupação israelita, e confirmavam ao mundo árabe a eterna natureza dos judeus: bestas assassinas sedentas de sangue.
Em 2004, perante todas as incertezas deixadas pelas imagens, perante o seu rasto de morte e suspeitas de uma pré-edição com fins políticos, o francês Philippe Karsenty desafia a validade das imagens transmitidas. Num artigo publicado no site do seu observatório dos media escreve que o vídeo teria sido falsificado pelo cameraman da France 2 e que al-Durah não teria morrido naquele tiroteio, ao contrário da descrição fornecida pelo cameraman palestiniano Talal Abu Rahma juntamente com as imagens. Consequentemente, Karesenty seria processado por difamação pela poderosa cadeia de televisão pública francesa. Vários julgamentos e apelos depois, Karsenty continua em julgamento em França em 2013.
Num tempo em que a força da imprensa é tão grande e decisiva, o tipo de jornalismo que se tem desenvolvido vira o mundo de pernas para o ar. Relutante em investigar e provar aquilo que afirma como factos, usa os tribunais como arma contra aqueles que ousam questioná-lo e chegar a conclusões distintas. Este jornalismo al-Durah é um jornalismo ideológico que reafirma gratuitamente as crenças dos seus criadores. Em vez de questionar e informar, limita-se a retransmitir o que estes dizem e mostram. É um tipo de jornalismo que cria símbolos e os transforma em armas, ignorando a ética jornalística e as consequências da sua propaganda. É um jornalismo que pode matar. O jornalismo al-Durah premeia a morte de crianças com enormes audiências para uma retransmissão acrítica de mensagens obscuras em plena guerra da informação. É tempo de acabar com isto e exigir um jornalismo objetivo e não ideológico, que questione a informação que recebe antes de a reportar, um jornalismo que preste contas à sua audiência em vez de a silenciar. É tempo de pedir um jornalismo democrático, um jornalismo que não premeie a morte e o derramamento do sangue de inocentes. Infelizmente, é demasiado tarde para todas as vítimas das imagens da France 2, mas nunca é demasiado tarde para exigir justiça.